terça-feira, 13 de maio de 2014

Resenha do Livro: "Vidas Secas"






Fabiano,  Baleia, Sinha Vitória, Seu Tomás da bolandeira. Se você nunca ouviu falar destes nomes ou nunca os leu antes, é porque você não deve ter estudado como devia para o vestibular. Estes personagens descritos no começo do texto nada mais são que parte da história de Vidas Secas, um clássico da literatura brasileira. Escrita por Graciliano Ramos, o livro descreve a história de Fabiano, um vaqueiro que vive no sertão, que empresta seu trabalho em troca de moradia na fazenda e divide com a família sonhos e a desilusão da vida, principalmente com a seca, que assola o nordeste.

E neste contexto, conhecemos as condições de vida das pessoas menos favorecidas e que sofrem com um mal brasileiro: a seca. Fabiano, o personagem principal, vive reclamando da vida, e a culpa dos problemas é sempre dos outros. E não ser muito estudado, para ele, é algo bom, pois seu Tomás da Bolandeira, por exemplo, é estudado (Na visão de Fabiano), e no entanto, não leva uma vida muito melhor que a dele. Já sobre a condição de vida em que vive, ele atribui a culpa ao destino.

"Nascera com esse destino, ninguém tinha culpa de ele haver nascido com um destino ruim, Que fazer? Podia mudar a sorte? Se lhe dissessem que era possível melhorar a situação, espartar-se-ia. Tinha vindo ao mundo para amansar brabo, curar feridas com rezas, consertar cercas de inverno a verão. Era sina. O pai vivera assim, o avô também.", p. 97.




Escrito entre 1937 e 1938 e publicado em 1938 pela editora José Olympio. Graciliano Ramos conseguiu adentrar a literatura brasileira com a retratação quase que verídica de um povo brasileiro, a muito esquecido pelos políticos. O nordestino sofreu anos e anos com esta situação, e o autor alagoano, nascido em Quebrangulo,  Alagoas, conseguiu passar ao leitor o que uma família que vive com esta situação: a seca, passa no dia-a-dia.

E o que mais me chamou a atenção no livro foi a riqueza do vocabulário. Por acaso você sabe o que é um Preá? Ou um Juazeiro? Bolandeira? E Cirros? No começo tive certa dificuldade com este vocabulário tipicamente nordestino na história. Mas ao passar da leitura, em que fui traduzindo as expressões, logo me acostumei com elas e a leitura passou mais rápido do que começou, para minha infelicidade, deixando um sentimento ao terminar o livro; a de quero mais.

A seguir, confira algumas expressões utilizadas em "Vidas Secas":

Preá: porquinho da Índia;
Cirros: nuvens que se formam na alta troposfera;
Bolandeira: máquina de descaroçar algodão;
Juazeiro: conhecido como Laranjeira-de-vaqueiro;
Alpargata: sandália;
Baraúna: árvore leguminosa, que fornece uma madeira escura;
Lazeira: lepra, ferida, fome, desgraça, calamidade, miséria, preguiça;
Bilros: instrumento de madeira ou metal, usado por rendeiras na confecção de renda.
Jatobá: se refere a árvores do gênero Hymenaea L;
Papulagem: porção, erupção de pápulas;
Mancabira: vegetação espinhosa, muito resistente a seca;
Xique Xique: cacto típico do nordeste;
Quipás: é um pequeno chapéu em forma de circuferência, semelhante ao solidéu, utilizada pelos judeus;
Mandacaru: é uma planta da família das cactáceas.

De Fabiano aos pequenos, todos os personagens tem o espectro da aceitação da condição social em que estão inseridos. Senso comum, Fabiano e família tem opiniões a respeito de tudo, mas todas baseadas no comum, ou seja, em conhecimento empírico e mítico. O trecho a seguir lista bem o contentamento deles com a ignorância. "Fabiano se dava bem com a ignorância [...] Se aprendesse qualquer coisa necessitaria aprender mais, e nunca ficaria satisfeito", p. 20.

Afinal, ser ignorante (no sentido de conhecimento) é bom, para Fabiano, no sentido de não precisar pensar ou ler livros. E estes pensamentos a respeito da vida e do conhecimento são bem retratados por Graciliano Ramos na obra "Vidas Secas". Uma delas, por exemplo, é a culpa da seca, que é atribuída por Fabiano aos abutres. "As bichas excomungadas eram a causa da seca. Se pudesse matá-las, a seca se extinguiria", p. 114.


Baleia, a cachorro de Fabiano.


Outro personagem que vale destaque é a cachorra Baleia. Com bom faro, ela descreve muitas cenas da história, e segundo críticos, seria a visão do próprio Graciliano Ramos, que teria se descrito como este personagem, que emite opiniões dentro da história. Entretanto, ela não emite opiniões diretamente aos personagens (Apesar de muitas vezes o querê-lo).

"Vidas Secas narra o mundo reificado e a luta dos homens pela liberdade.", Hermenegildo Bastos. Inferno, alpercata: trabalho e liberdade em Vidas Secas. p. 134. 

Esta afirmação está no posfácio do livro. Nela, Bastos afirma que a luta pela liberdade é narrada em "Vidas Secas". E eu concordo com ele. "Vidas Secas" nada mais é que a luta do homem pela liberdade, por ser livre. Já que no livro, Fabiano se vê preso em um sistema que ganha pouco, os lucros ficam com o patrão, enquanto ele trabalha em troca de moradia.

Por isso no fim, só resta uma coisa a Fabiano, fugir da seca com a família, e lamentar os desejos dele e da esposa. "Eu só queria uma cama igual ao do seu Tomás da Bolandeira", afirmou durante toda a história, Sinha Vitória. Lamentar a vida, buscar explicações do senso comum aos acontecimentos faz parte do cotidiano desta família do sertão, porém uma coisa nunca lhes é tirada: a esperança por dias melhores.


Graciliano Ramos


Biografia:

Graciliano Ramos nasceu em Quebrangulo, em 27 de outubro de 1892. Primeiro de dezesseis irmãos de uma família de classe média do sertão nordestino, ele viveu os primeiros anos em diversas cidades do Nordeste brasileiro, como Buíque (PE), Viçosa e Maceió (AL). Terminando o segundo grau em Maceió, seguiu para o Rio de Janeiro, onde passou um tempo trabalhando como jornalista.

Obras:

As obras de Graciliano Ramos:
Caetés - romance - Editora Schmidt, 1933; (ganhador do Prêmio Brasil de Literatura);
São Bernardo - romance - Editora Arial, 1934;
Angústia - romance - Editora José Olympio, 1936;
Vidas Secas - romance, - Editora José Olympio, 1938;
A Terra dos Meninos Pelados - contos infanto-juvenis - Editora Globo, 1939;
Brandão Entre o Mar e o Amor - romance - Editora Martins, 1942 - Escrito com Jorge Amado, José Lins do Rego, Aníbal Machado e Rachel de Queiroz;
Histórias de Alexandre - contos infanto-juvenis - Editora Leitura, 1944;
Dois dedos - coletânea de contos - R.A. Editora, 1945;
Infância - memórias - Editora José Olympio, 1945;
Histórias Incompletas - coletânea de contos - Editora Globo, 1946;
Insônia - contos - Editora José Olympio, 1947;
Memórias do Cárcere - memórias - Editora José Olympio, 1953; (obra póstuma)
Viagem - crônicas - Editora José Olympio, 1954; (obra póstuma)
Linhas Tortas - crônicas - Editora Martins, 1962; (obra póstuma)
Viventes das Alagoas - crônicas - Editora Martins, 1962; (obra póstuma)
Alexandre e Outros Heróis - contos infanto-juvenis - Editora Martins, 1962); (obra póstuma)
Cartas - correspondência - Editora Record, 1980; (obra póstuma)
O Estribo de Prata - literatura infantil - Editora Record, 1984; (obra póstuma)
Cartas de amor à Heloísa - correspondência - Editora Record, 1992; (obra póstuma)
Vidas Secas - edição especial 70 anos - romance - Editora Record, 2008; (obra póstuma)
Angústia - edição especial 75 anos - romance - Editora Record, 2011; (obra póstuma)
Garranchos - textos inéditos - Editora Record, 2012. (obra póstuma)




~CITAÇÕES~

"A sina dele era correr mundo, andar para cima e para baixo, à toa, como judeu errante. Um vagabundo empurrado pela seca.", p. 19.

"Não possuíam nada: se se retirassem, levariam a roupa, a espingarda, o baú de folha e troços miúdos. Mas iam vivendo, na graça de Deus, o patrão confiava neles - e eram quase felizes.", p. 45.

 "Retirou-se. A humilhação atenuou-se pouco a pouco e morreu. Precisava entrar em casa, jantar, dormir. E precisava crescer, ficar tão grande como Fabiano, matar cabras a mão de pilão, trazer uma faca de ponta à cintura. Ia crescer, espichar-se numa cama de varas, fumar cigarros de palha, calçar sapatos de couro cru.", p. 53.

"O pequeno afastou-se um pouco, mas ficou por ali rondando e timidamente arriscou a pergunta. Não obteve resposta, voltou a cozinha, foi pendurar-se à saia da mãe:
- Como é?
Sinha Vítória falou em espetos quentes e fogueiras.
- A senhora viu?
Aí sinha Vitória se zangou, achou-o insolente e aplicou-lhe um cocorote", p. 56.

"O pequeno sentou-se, acomodou nas pernas a cabeça da cachorra, pôs-se a contar-lhe baixinho uma história. Tinha um vocabulário quase tão minguado como o do papagaio que morrera no tempo da seca", p. 57.

"Dentro em pouco o despotismo de água ia acabar, mas Fabiano não pensava no futuro. Por enquanto a inundação crescia, matava bichos, ocupava grotas e várzeas. Tudo muito bem. E Fabiano esfregava as mãos. Não havia o perigo da seca imediata, que aterrorizava a família durante meses.", p. 65.

"Cadê o valente? Quem é que tem coragem de dizer que eu sou feio? Apareça um homem.", fiasco de Fabiano, p. 78.

"Passar a vida inteira assim no toco, entregando o que era dele de mão beijada! Estava direito aquilo? Trabalhar como negro e nunca arranjar carta de alforria!", p. 94.

"Alargou o passo, desceu a ladeira, pisou a terra de aluvião, aproximou-se do bebedouro. Havia um bater doido de asas por cima da poça de água preta, a garrancheira do mulungu estava completamente invisível. pestes. Quando elas desciam do sertão, acabava-se tudo. O gado ia finar-se, até os espinhos secariam.", p. 111. Fabiano sobre o prenúncio da seca.

"Se não fosse tão fraco, teria entrado no cangaço e feito misérias. Depois levaria um tiro de emboscada ou envelheceria na cadeia, cumprindo sentença, mas isto era melhor que acabar-se numa beira de caminho, assando no calor, a mulher e os filhos acabando-se também. Devia ter furado o pescoço do amarelo com faca de ponta, devagar. Talvez estivesse preso e respeitado, um homem respeitado, um homem. Assim como estava, ninguém podia respeitá-lo. Não era homem, não era nada. Aguentava zinco no lombo e não se vingava.", p. 112.
"Mas como poderia esquecê-los se estavam ali, voando-lhe em torno da cabeça, agitando-se na lama, empoleirados nos galhos, espalhados no chão, mortos? Se não fossem eles, a seca não existiria.", p. 113.

Citações retiradas do livro Vidas Secas:
Ramos, graciliano, 1892-1953
Vidas Secas, 110ª edição, Rio de Janeiro: Record, 2009, p. 128.




Espero que tenham gostado.

Até a próxima resenha leitores!




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